domingo, 7 de dezembro de 2008

Mensagem da semana:

Reflita :

A melhor e a pior comida do mundo


Há mais de dois mil anos, um rico mercador grego tinha um escravo chamado Esopo. Um escravo corcunda, feio, mas de sabedoria única no mundo. Certa vez, para provar as qualidades de seu escravo, ordenou:
- Toma Esopo. Aqui está este saco de moedas. Corre ao mercado. Compra lá o que houver de melhor para um banquete! Não tentes, porém, me enganar. Traze o troco certinho!
Pouco tempo depois, Esopo voltou do mercado e colocou sobre a mesa um prato coberto por fino pano de linho. O mercador levantou o paninho e ficou surpreso:
- Ah, língua? Nada como uma boa língua que os pastores gregos sabem tão bem preparar. Mas por que escolheste exatamente a língua como a melhor comida do mundo?
O escravo, de olhos baixos, explicou sua escolha:
- O que há de melhor do que a língua? A língua é que nos une a todos, quando falamos. Sem a língua não poderíamos nos entender. A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão. Graças à língua é que se constroem as cidades, graças à língua dizemos o nosso amor. Com a língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra, se afirma. Com a língua, dizemos “mãe” e “querida” e “Deus”. Com a língua, dizemos “sim”. Com a língua, dizemos “eu te amo!” A língua é o órgão do carinho, da ternura, do amor, da compreensão. É a língua que torna eternos os versos dos grandes poetas, as idéias dos grandes escritores. O que pode haver de melhor do que a língua, senhor?
O mercador levantou-se entusiasmado:
- Muito bem, Esopo! Realmente tu me trouxeste o que há de melhor! Toma agora esta outra sacola de moedas. Vai de novo ao mercado e traze o que houver de pior, pois quero ver tua sabedoria!
Mais uma vez, depois de algum tempo, o escravo Esopo voltou do mercado, trazendo um prato coberto por um pano. O mercador recebeu-o com um sorriso:
- Hum... já sei o que há de melhor. Vejamos agora o que há de pior...
O mercador descobriu o prato e ficou indignado:
- Língua? Língua outra vez? Língua? Não disseste que língua era o que havia de melhor? Queres ser espancado?
Esopo baixou os olhos e respondeu:
- A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. É a língua que separa a humanidade, que divide os povos. É a língua que usam os maus políticos quando querem nos enganar com suas falsas promessas. É a língua que usam os vigaristas quando querem trapacear. É a língua que mente, que esconde, que engana, que explora, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que xinga, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz, que corrompe. Com a língua, dizemos “morre” e “canalha” e “demônio”. Com a língua, dizemos “não”. Com a língua, dizemos “eu te odeio!” A língua é o órgão da mentira, da discórdia, dos desentendimentos, das guerras, da exploração. Aí está, senhor, porque a língua é a pior das coisas.

Pedro Bandeira. Adaptação de trecho da peça teatral A raposa e as uvas, de Guilherme Figueiredo.

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